adultecer
Tem sido bem difícil encontrar minhas amigas ultimamente. É que agora estamos sempre muito ocupadas fazendo coisas de adulto.
Pra marcar algum rolé, tem que ser com bastante antecedência e até criar um evento no Google Agenda pra notificar todas por email. E, claro, nada garante que quando chegar o dia do evento, alguém não vá desmarcar de última hora porque surgiu um job imperdível ou por conta de uma crise de gastrite.
Falando em gastrite, nosso grupo do WhatsApp se tornou uma grande comunidade para indicação de médicos. Mas nem adianta se animar muito porque constatei que é praticamente impossível achar uma boa ginecologista que aceita plano de saúde.
Quando enfim nos encontramos, é a oportunidade perfeita para colocar o papo em dia. E cada vez mais venho descobrindo que temos mais coisas em comum! Estamos todas sempre cansadas, exaustas, com olheiras terríveis, com enxaqueca, estressadíssimas com o trabalho, um tanto deprimidas e certamente transando bem menos do que gostaríamos. Depois de consumir uma quantidade um pouco preocupável de álcool, é então que passamos a fazer outro grande hobbie que agora temos em comum — reclamar. E assim reclamamos que as coisas estão caras, que o trânsito está terrível, que o Tiktok está estragando os bares que gostávamos de frequentar, que temos que fazer imposto de renda e que os jovens estão cada vez menos responsáveis porque “na nossa época”, a gente não fazia isso, nem aquilo.
Há um certo perigo nesse processo de adultecimento que é justamente o de acareateamento — do latim, significa o processo de se tornar careta. Num dia você é uma adolescente que vira a noite numa festa que entrou com uma ID falsa feita no Photoshop, no outro você prefere não sair sexta à noite porque quer acordar cedo para ir à academia.
É que agora somos todas muito responsáveis — ou ao menos aparentamos ser. Nós vestimos blazer para ir ao escritório ou vamos a um café para ficar trabalhando de home office. Nós comemos saudável porque o metabolismo não é mais o mesmo do que quando tínhamos quinze anos. E definitivamente não é mais qualquer marca de cerveja que podemos consumir se quisermos um intestino funcionando minimamente bem no dia seguinte.
Mesmo imersas à tanta caretice, a tantos hábitos que juramos que nunca faríamos, percebo que ainda conservamos um certo brilho no olho. Aquele mesmo brilho que tem as crianças quando se maravilham ao descobrir uma brincadeira nova muito divertida. As crianças, aliás, são seres dotados de uma capacidade cognitiva que vamos abandonando ao longo do tempo. É o que as permite enxergar a vida com leveza, simplicidade e a gargalhar com muito mais frequência que os adultos. Um antídoto contra a caretice.
Em meio às nossas vidas de adultas, de vez em quando, damos espaço a essa lógica das crianças. E de repente estamos num samba domingo à noite, mesmo precisando acordar cedo para trabalhar no dia seguinte, comemos porcaria mais do que devíamos e rimos alto no meio do bar depois de tomar um copão de caipirinha com dose dupla de cachaça.
Enquanto vamos vivendo nossas vidas de adultas, me dou conta que estamos sim mais chatas, mais velhas, mais cansadas, mas também preservamos um pouco das nossas antigas crianças. Temos ainda o tal do brilho no olhar que nos permite enxergar a vida com mais carinho, cuidar umas das outras, zelar pelas nossas amizades e fazer besteira de vez em quando.
É que adultecer é um processo tão doido que só passando por isso juntas.