Jovens artistas se reinventam para lançar músicas na pandemia

Giovana Kebian
7 min readDec 1, 2020

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Da Björk carioca ao punk swingado, eles driblaram as dificuldades do distanciamento com criatividade e bom uso das redes sociais.

Paralizados pela impossibilidade de realizar shows devido à pandemia por coronavírus, jovens artistas se reinventaram para conseguir promover o trabalho musical. Luiza Paranhos, de 20 anos, aproveitou o tempo em casa durante a quarentena para estreiar suas composições e produções audiovisuais. Para o quarteto da banda Balla e os Cristais, o desafio foi divulgar seu primeiro álbum sem show de lançamento. Da Björk carioca ao punk swingado, eles driblaram as dificuldades do distanciamento com criatividade e bom uso das redes sociais.

Alulu no clipe “Bicicletinha”. Foto/Divulgação: Luiza Paranhos

Sob o nome artístico Alulu Paranhos ou somente Alulu, seu trabalho mistura música eletrônica e influências de diferentes estilos brasileiros, como o coco e o maracatu. Através de vídeos curtos publicados em seu perfil no Instagram, a jovem alcançou mais de nove mil visualizações em uma de suas produções, “Na minha bicicleta”, e agora caminha para o lançamento do primeiro álbum. A história de Luiza com a música já vinha de antes, pois era vocalista dos grupos Forró de pife e Aquela jararaca. No entanto, foi apenas com a pandemia que a jovem tirou do papel um projeto de carreira solo. “Quando veio a quarentena, eu me vi num limbo. O forró é a última coisa que vai conseguir se adaptar ao remoto porque é uma dança a dois. Daí, eu falei: ‘o que eu vou fazer agora’? Eu tinha uma mesa de som, então, decidi começar a estudar e gravar”. Com a ajuda de um colega, o “Goiaba”, ela foi aprendendo a manusear os equipamentos a distância. “Eu postei no Instagram ‘alguém sabe mexer nisso?’ [mesa de som] e ele me respondeu ‘eu sei!’ E aí eu liguei para ele e a gente ficou um mês se falando por vídeo até eu aprender”, conta.

A repercussão dos vídeos nas redes sociais foi uma surpresa para Luiza. Segundo ela, há certas vantagens em produzir música na internet: “No Instagram a gente consegue ir direto no nosso público alvo, então ele facilita essa ideia de nicho”. Ao mesmo tempo, a jovem reconhece que não são todos os artistas que conseguem adaptar bem o trabalho a era remota. “Tudo depende da estrutura que você tem em casa, porque eu tinha uma estrutura boa, eu tinha uma mesa de som, para poder gravar meu som em boa qualidade. Mas tem gente que não tem”. Outra vantagem para Alulu foi poder dar muito da sua impressão estética e criativa nas produções, uma vez que todo o trabalho, desde a composição das letras à edição dos vídeos, é feito por ela.

“Outro dia me compararam com a Björk, me chamaram de ‘Björk carioca’”

Alulu, em processo de criação. Foto/Divulgação: Ana Beatriz Barbosa

Nas produções, Alulu traz um estilo minimalista e brinca com texturas de voz e de sons. “O que eu mais gravava era coquinho e um bumbo que eu botava vários efeitos. Meu som é totalmente processado, mas conserva ainda uma pegada brasileira. É difícil definir, acho que talvez uma MPB, só que mais ousada ou um pop indie”, ela conta. As cores e texturas compõem os pequenos clipes audiovisuais, produzidos e editados por ela mesma. A natureza é um tema de destaque nas composições e também aparece visualmente, preenchendo os vídeos com folhas, frutos, flores, mato, água, rio e cachoeira.

“Outro dia me compararam com a Björk, me chamaram de ‘Björk carioca’ E eu achei interessante esse conceito porque para mim sempre foi importante a união do vídeo e música”. Além da islandesa, Alulu tem como referência principal a cantora Céu e artistas como Luiza Lian, Ana Frango Elétrico, Luedji Luna e Jorja Smith, todas mulheres. Mas também diz que a Tropicália e movimentos da cultura popular como Maracatu de Baque Solto e Maracatu de Baque Virado são grandes influências para o seu trabalho e aparecem futuramente no primeiro disco.

Na sexta-feira, 4/12, Alulu Paranhos lança seu primeiro single “Amor Telasss” nas plataformas do YouTube e Spotify. Ela diz que o trabalho está completamente diferente daquele que começou a publicar no Instagram no início do ano. “Acho que guarda uma leveza, guarda uma voz mais tranquila, guarda uma brincadeira, mas ao mesmo tempo ela já está muito diferente”.

Balla e os Cristais. Rafael Balla (guitarra e voz), Brunno Martins (guitarra), Erick Ferreira (baixo) e Gustavo Almeida (bateria). Foto/Divulgação: Gabriela Pérez.

O quarteto da banda Balla e os Cristais se viu numa situação semelhante. Acostumados com os palcos do Rio, se consideravam uma banda de ao vivo e quase não utilizavam as redes sociais para divulgação do trabalho. Em janeiro de 2020, gravaram o primeiro disco com o produtor e ídolo do grupo, Jr. Tolstói. Depois disso, houve apenas um show antes que a quarentena começasse, em março deste ano, e cancelasse os outros eventos e ensaios já agendados. Surgiu então a dúvida de manter ou segurar o lançamento do primeiro disco que já estava pronto, em processo de finalização de mixagem. “Resolvemos lançar porque a gente tem uma opinião de que quando você segura muito um material musical, demora muito para lançar uma coisa que está pronta, ela envelhece para banda”, conta Gustavo Almeida, baterista dos Cristais.

A gente era uma banda de ao vivo que resolveu gravar um disco e de repente não tinha mais ao vivo nenhum

O desafio de adaptar o trabalho à pandemia foi grande. “A gente era uma banda de ao vivo que resolveu gravar um disco e de repente não tinha mais ao vivo nenhum”. Eles passaram a dedicar todas as energias à divulgação em massa da estreia do álbum Jogo do Bicho, lançado em junho deste ano. Sem a possibilidade de se reunir para gravar clipes, recorreram ao formato criativo de lyric vídeo para o single “Balla e os Cristais da Decepção Matando Moinhos de Vento”. Para o cover de “Zé do Caroço”, composição de Leci Brandão presente no disco, fizeram um vídeo trazendo o contexto da pandemia por Covid-19. Posteriormente, a própria Leci apareceu no Instagram da banda se emocionando enquanto realizava um react do cover, aumentando o engajamento dos seguidores dos Cristais que também se emocionaram.

Balla e os Cristais. Da esquerda para a direita: Gustavo, Balla, Brunno e Erick (escondido). Foto/Divulgação: Gabriela Pérez

Formada no início de 2019, Balla e os Cristais é composta por Rafael Balla, vocalista e compositor, Brunno Martins, na guitarra, Erick Ferreira, no baixo e Gustavo Almeida, baterista. Todos nasceram e moram no Rio, com exceção de Gustavo, que é de São José dos Campos, no interior de São Paulo, mas se mudou quando veio fazer faculdade.

Eles definem a si mesmos como um “punk swingado” ou “rock dançante”. As composições críticas em Jogo do Bicho acompanham um som mais agressivo, mas sem deixar de evocar a brasilidade com o violão swingado. Tanto as letras quanto as melodias refletem o cenário conturbado carioca, fazendo críticas a eles próprios e ao “ambiente maluco que a gente vive”, segundo os integrantes. “Tudo nesse disco é muito carioca. As falas, os versos, o ambiente que ele escreve, essa coisa de rua, de caos, de cidade, de maluquice e de bar e de carnaval”, comenta Gustavo.

Tudo nesse disco é muito carioca. As falas, os versos, o ambiente que ele escreve, essa coisa de rua, de caos, de cidade, de maluquice e de bar e de carnaval

Capa do disco Jogo do Bicho, da banda Balla e os Cristais. Arte: Luiz Terra.

A capa do álbum segue a mesma linha da proposta musical da banda. Numa espécie de “Onde está o Wally?” psicodélico, a arte gráfica retrata o caos social presente no Jogo do Bicho. A parceria entre Luiz Terra, que assina a arte do disco, e os Cristais foi outra novidade dos tempos de quarentena. Terra é do interior de São Paulo, mas, como tudo teve que se adaptar ao isolamento social, a banda se abriu a trabalhar com uma pessoa de fora no nicho artístico do Rio que já estavam acostumados.

As referências que inspiram o disco são diversas, desde Jorge Ben Jor e Nação Zumbi a Planet Hemp, Charlie Brown, Benegão e O Rappa, artistas que não necessariamente têm o rock como estilo musical principal. Mas, na verdade, os Cristais acreditam que não existe nada muito parecido com o que propõem. “As referências dizem muito sobre o que a gente escuta, mas não dizem tanto sobre o que a gente toca”, diz Gustavo. “É rock muito brasileiro porque pisa no samba, pisa no maracatu, pisa no baião, mas não como referência direta. Não é como se a gente fosse uma banda de rock que toca baião, não é isso”.

Sem previsão concreta do fim da pandemia, a banda continua trabalhando em novos projetos. O desejo é conseguir fazer uma live com uma boa estrutura e som de qualidade ainda em 2020, mas sem colocar em risco as pessoas que estão trabalhando. Além disso, eles revelam que já estão com o repertório do segundo álbum bastante encaminhado e que deve ser lançado no primeiro semestre do ano que vem.

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Written by Giovana Kebian

“Sé gritar hasta el alba cuando la muerte se posa desnuda en mi sombra.” | Jornalismo — UFRJ

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