Laurinha Lero e o anonimato íntimo
Por Giovana Kebian
Laurinha Lero é o pseudônimo adotado pela apresentadora do podcast “Respondendo em Voz Alta”. Na verdade, não se trata de um podcast, mas sim de um programa de rádio, a Rádio 4, de quatro ouvintes, como ela bem costuma reiterar. O tal programa de rádio constitui em um monólogo, no qual Laurinha conversa com os ouvintes, respondendo em voz alta, às mais variadas perguntas que lhe são enviadas.
A genialidade do programa é fruto do tom irônico e improvável dos comentários de Laurinha, quase sempre controversos e filosóficos. Sim, filosóficos. Ainda que afirme cursar Teologia na Universidade Anhembi Morumbi — modalidade que a instituição paulista sequer oferece — , as corriqueiras alusões a Sócrates, Platão, Hegel, Espinoza, entre outros filósofos, apontam que Laurinha seja, na verdade, uma estudante de Filosofia. Além da especulação do curso de graduação, as únicas coisas que se sabe seguramente são o fato dela ter 25 anos, ser originária de Niterói e morar em São Paulo.
“Faço um esforço pessoal para me manter misteriosa”
No entanto, a identidade, ou melhor, a falta de identidade é o que talvez intrigue e motive os ouvintes a permanecerem fiéis ao podcast (digo, programa de rádio). Ao longo da história, o anonimato foi adotado por diversos autores, seja para se defender da acusação de escrever demasiadamente depressa, como Anthony Tollorpe, escritor da Era Vitoriana, seja porque um pseudônimo masculino fosse mais bem visto em outras épocas, como George Eliot, que, na verdade, era Mary Ann Evans. Há ainda o caso clássico de Jane Austen, que utilizou ‘A Lady’ para assinar o célebre romance ‘Orgulho e Preconceito’ e também um episódio mais contemporâneo, da autora italiana que assina sob o pseudônimo de Elena Ferrante. Talvez Austen tenha sido a fonte de inspiração para Laurinha, uma vez que a radialista já demonstrou admiração pela autora no Twitter.
No auge da era das blogueirinhas e dos digital influencers, Laurinha caminha na contra-corrente da cultura do Instagram, enquanto todos buscam ‘closes’ e seus cinco minutos de fama. “Faço um esforço pessoal para me manter misteriosa”, disse em entrevista à Uol. É curioso como o seu anonimato, ao contrário do que parece, contribui para nos tornarmos ainda mais íntimos dela. Ao não revelar sua identidade, Laurinha nos permite imaginar sua aparência e nos aproximamos ainda mais, como verdadeiros amigos que jogam conversa fora no bar.
Isso se deve, em boa parte, ao bom uso do formato de áudio. Criado no final do século XIX, o rádio tornou-se o primeiro meio de comunicação de massas. Em seu primórdio, era comum reunir famílias e amigos ao seu redor para que se pudesse escutar desde notícias transmitidas ao vivo, o que garantia credibilidade ao meio, às glamurosas rádio novelas, nas quais o formato folhetinesco podia ser interpretado.
Interpretação, talvez seja esse o ponto chave. A característica das mídias sonoras por si só já garante mais intimidade ao meio. A rádio consegue gerar intimidade através de uma entonação diferente, uma voz mais impostada, um sussurro ou um suspiro. Uma pausa mais prolongada provoca um tom reflexivo ao que foi dito. A dramaticidade da voz vai indicar se o locutor está triste, preocupado ou irritado. A música, os ruídos e os efeitos sonoros que acompanham a narração transportam o ouvinte para o exato local da cena.
Talvez o monólogo de Laurinha não fosse tão impressionante caso ela resolvesse escrever um blog para responder às inquietudes de seus leitores. Para começar pelo fato de que ninguém mais lê blogs, exceto por você, que está lendo este texto num perfil do Medium, o que indica que provavelmente você é o tipo de gente que ainda lê blogs. Mas fato é que“o áudio dá uma dimensão de realidade à conversa” (Laurinha, Episódio 18)
O “Triiiiiiiiiiiiiim” que introduz os episódios, seguido pelo incômodo “Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa de mensagens que estará sujeita à cobrança após o sinal” já nos coloca à espera das ligações dos ouvintes. As vozes distorcidas e o cômico “dj Laurinha Lero”, que às vezes se repete ao longo dos episódios, alternam com o monólogo da radialista, criando um maior dinamismo no programa.
Todos esses recursos são essenciais para dar vida ao roteiro cômico de Laurinha, que afinal, consegue unir conteúdo e formato de maneira exemplar. Mas é, definitivamente, a locução impecável, que prolonga algumas palavras, atropela outras e sublinha determinadas expressões, a grande responsável pelo sucesso cômico da radialista.
Somado a isso tudo, temos o fato de que um podcast (nesse momento eu paro de fingir que é um programa de rádio, perdão), que é o primo de primeiro grau do rádio, segundo a professora da Universidade de Wollongong, Siobhan McHugh, é ainda mais íntimo do que o rádio. Ao ser distribuído em plataformas de streaming, o ouvinte tem direito de escolher o que, quando e onde escutar. Isso já pressupõe uma afinidade inicial pelo tema, mas o podcast costuma a acompanhar os ouvintes no trânsito, no banho e durante as tarefas domésticas, atividades essas de grande intimidade. De maneira geral, ao contrário da rádio, o podcast é consumindo individualmente. Muitas vezes, com fones de ouvido, o que faz parecer que aquela pessoa esteja de fato conversando com você. Dentro da sua cabeça.
Não à toa, os podcasts têm crescido e se tornado cada vez mais populares no Brasil e no mundo. Uma pesquisa realizada pela Deezer em outubro de 2019 revelou que os áudios sob demanda no Brasil cresceram 67% nesse ano, assim como o consumo teve um aumento de 177%. Além do advento da internet, um dos motivos que podem ter contribuído para o crescimento impressionante dos podcasts é a possibilidade criada pelo formato de ampliar discussões. Na era da pós-verdade, os podcasts aparecem como grandes revolucionários, que permitem destrinchar temas de maneira mais clara, íntima e sedutora para o ouvinte do que um texto impresso ou uma reportagem de televisão.
Seja pela popularidade do formato de áudio ou pela locução e edição exitosas, o brilhantismo de Laurinha Lero nos trás um conforto que anestesia as aflições em meio ao caos político que vamos afundando. É quase como um refúgio que nos transportamos a cada rara publicação de um novo episódio. “Na conjuntura política que a gente tá, tem tanta notícia ruim e séria que a pessoa fica precisando ouvir uma coisa que não tenha nada com nada, que desestressa, que é como se você estivesse jogando o cérebro no lixo.”, disse Laurinha, em entrevista à Terra TV.