Querida Quarentena,

Giovana Kebian
2 min readJul 6, 2020

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Tenho escutado bastante Belchior durante os dias ensolarados em que tento tomar uma frestinha de sol na varanda.

Nos dias cinzentos, quem me acompanha são as trilhas sonoras dos filmes e uma bela xícara de chá.

Desliguei a televisão porque os noticiários me fazem chorar ou querer assassinar o presidente.

As duas opções não me pareciam plausíveis, de modo que escolhi a minha própria solidão.

Sambo ao som da solidão. Até que me lembro que nunca soube sambar.

O vizinho de cima ouve muito Queen, adora. Os de baixo são um casal de chineses e sempre que discutem eu não entendo nada. Os vizinhos do lado eu nunca vi nem ouvi, eu só ouço falar.

Mês passado li todos os livros da minha estante. Esse mês voltei com meu hábito de não leitura, mas de quando em vez posto uma coisa ou outra para que pensem que continuo sendo a intelectual que nunca fui.

Durmo abraçada ao travesseiro porque sinto saudade dos que estão longe. Às vezes quando acordo, eu quase esqueço do caos que a gente se afundou. Meu Deus, faz tanto tempo desde que o último suspiro antes do fim do mundo.

Me matriculei em uma porção de cursos online que provavelmente vou deixar de concluir. Assim como o tapete de yoga, que tá empoeirado no canto do quarto.

De dia, uma cervejinha para amenizar as dores. À noite, um vinho porque faz frio. Queria ser Jesus e transformar água e vinho. Mas espero não virar alcóolatra nesse meio tempo.

Dizem que Deus é brasileiro e anda ao nosso lado. Mas como foi colocar tanta miséria no mundo e deixar crescer tanto gado?

Talvez só o que me mantenha minimamente sã sejam as palavras de Belchior.

Ano passado eu morri,

Mas esse ano, eu não morro.

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Giovana Kebian
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Written by Giovana Kebian

“Sé gritar hasta el alba cuando la muerte se posa desnuda en mi sombra.” | Jornalismo — UFRJ

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